DESILUSÃO, OU NÃO MORRI AINDA. ENTÃO, POR QUE NÃO AMAR?

Quando penso para que nascemos, remonto meus primórdios na então ‘Atenas do Sertão’, duas evidências utópicas e provavelmente fartas de desapropriação futuras. Uma, porque da Atenas, não creio restar o mínimo de imponência e, do sertão, a cidade era apenas a porta de entrada e não propriamente o próprio. Penso que Pesqueira assemelha-se a mim, seu filho mais distante culturalmente e menor entre os ilustres, se é que existe algo de ilustre entre nós.
Padecemo-nos de duplo eufemismo, Atenas e Sertão, não sou tão abastado de intelecto, mas exibo-me como tal e, não sou tão forte quanto o sertanejo, mas aprendi a crer, para expressar sê-lo. Pesqueira, respectivamente, também não têm a virtuosidades e nem fortalezas, e sim pobreza e uma débil certeza de um futuro para seu povo.
Quando criança, a riqueza era a tremenda pobreza que afirmo o quanto fui forte para sobreviver em ambiente tão hostil. Residia em uma casa que nem a eletricidade trazia sua tecnologia de ponta.
Logo, a vida desregrada ou desassistida de minha genitora a cobrou o investimento a preço letal. Era cerca de meus oito anos, os quais não foram suficientes para me apresentar a aquela personalidade feminina, a qual me gestou. Apenas ficou a bela imagem anamnésica, reforçada de comentários invejosos de pessoas que a conheceram, que afirmavam sua tez límpida, cabelos negros e postura soberba que afrontava a rudeza daquelas terras áridas. Possivelmente essa imponência justifica-se a tomada abrupta de seu sopro de vida, de laudo generalista e perdido.
Essa morte mataria duplamente meus genitores, claro, o homem desse trio voltará a minha realidade 25 anos depois, enquanto isso silencioso, tanto quanto morto.
Lembro-me de que, desde sempre, inatamente joguei-me as buscas de conhecimento. Minha forma de não morrer, meu abraço a dor, prematura e alienada. Quanto mais especulava que sabia algo, mais inconscientemente sabia que nada sabia, e essa certeza pôde ter-me levado a me integrar a essa alienação. E, quando percebi que isso viciava, adorei a hipótese de criar algo que me eternizasse. Não creio que isso possa ser importante, ou seja, a morte é tudo o que penso em poder amar. Usei isso de tal maneira que ‘simbiotizei’ o desejo do saber somado ao fato de não saber lidar com pessoas, semelhantes ou não - o que chamo de timidez – não me protegeu de outras expressões das dores.
Não amei, não perdi, mas apenas tive as adversidades e o desejo de ser e, não necessariamente, ter. Constituí minha peregrinação atado ou internalizado a dor, ou essa inata a mim. Então ficou o desejo da falta. Nasce o desejo de algo que não vivi, ou seja, desejo de um futuro que não sei qual, apenas espero – esperança de descanso e paz, morte?
Calma, não é uma carta suicida, e sim conceitual que a morte pode ser a libertação. Pois sendo tudo que pode promover paz, e ela é algo não especificado e não se enquadra nas posses, então, não pode ser nessa dimensão consumista ocidental.
Isso me levou ao fato que pressenti que posses poderia ter sido o tudo, mas não é nem uma possível forma de viver.  No entanto, dei-me o desejo de alugar desejos alheios e fiz algumas pessoas padecerem por um desejo por mim estimulado e consciências furtadas. Mas, ao fim eu sempre as deixava, pois sabia que estavam perdidas tanto quanto eu. Virei amante do prazer corporal, não era ainda fascinado, hoje sou, mas continuo sublimando como essa produção, e assim educo meus desejos, não sendo mais escravo desse desejo.
Utilizava os prazeres até que pudesse (retro)alimentar. Depois construía um fim sem nexo. Apenas morria paulatinamente. Somado a isso, na minha adolescência, coadunava a outras formas viciadas. Não vivi como pessoa, e sim como brinquedos libidinosos e objetos de múltiplos prazeres. Constituí pessoas sem faces e sem vidas, consumidores apenas do H2O sem razão aparente e vivendo aprisionado a um eterno vazio.
Constituí pacos amigos, apenas em concepções eufêmicas, que cedo ou tarde chegaria ao presente nada. Obviamente não pude manter isso, bitolas (enquadramento alienante) nunca foi meu forte, sempre reneguei formas primitivas de cegueira, e ainda luto contra formas de afirmações delas.
Precisei sempre dizer adeus a namoradas. Romanticamente afirmo que atuava assim para não perder o belo construído e, creio que é a única verdade que me constitui afetivamente. Faço isso para não vender a alma a um vazio maior, pois sempre me aguçam provocações da criticidade, e isso, relativo ao afetivo, levo ao extremo. Racionalizei todo afeto e morri, e confundo solidão com saudades, não do que passou, mas sim do que não vivi com as pessoas que um dia conceituamos amor.
Mas não que eu não queira amar, mas me parece que falta crença que alguma pessoa aceite a cética verdade que o amor se reafirma a cada dor latente. Ou seja, a cada momento temos que nos desprender de si mesmo e investi no outro sem esperar refúgio ou guarida. Essa é a forma de amar que conceituo atualmente após tanta solidão - saudade futura.
Necessito, com isso, degustar do extremo dos átomos que nos envolve, sobretudo, os quais unem duas pessoas que de tão semelhantes se amam como a si mesmo. Pois questiono se até em química os opostos se atraem. Creio que de tão iguais que encontram o encaixe adequado em determinada situação contextual.
Creio que vida é mui profunda para dormir ou perder tempo se alimentando. Portanto, temo não viver o que expecta minha alma. Amar indiscriminadamente ao menos uma pessoa foi o legado que meu genitor me ensinou após se despedir da vida, isso, como citado, há cerca de 25 anos de silêncio. Não me pergunte como ele me ensinou, isso é muito rico e sofisticado para se falar apenas aos que se desprendem das amarras desta forma vazia de vida e decidem viver a cada suspiro.
Se conseguir amar ao menos uma pessoa concretamente, estarei revolucionando o cansaço da solidão que se confunde com a saudade do que não me aconteceu.  Sairei do dejeto e amarei tanto a mim que me dedicarei a alguém como se fosse à primeira vida que fora constituída.
Não como uma forma compensatória, e sim uma afirmação de que viver é sempre pertinente e não tem início, meio ou fim. E essa ação finca-se, a eternidade deste sentimento. Vivemos para amar o outro. Até os mais adoecidos ou (d)evoluídos como os machistas, o praticam. Mesmo que sua forma não poderia ser diferente do patológico expresso na possessão e subordinação. Mas eles foram educados para isso, como negar o poder concebido, precisam ser muito evoluído para renegar esse poder.
Amar, para esses, poderia ser harmonia, homeostase deles para o mundo, mas como foi tão afetados os distorcidos princípios, vivem sendo subjugados pelo vazio que eu também carregava inconsciente e por isso não conseguia amar.
Mas saber isso como conhecimento também lhe traz, como citei no início, seu preço. Neurótico que sou de visão romântica, creio que tudo convergirá ao meu favor. E luto permanentemente contra essa dependência que me mantém vivo e esperançoso. Labuto para que possa viver sem depender de posses, de status social, da imagem, em suma, viver do que sou e sinto, em detrimento do ter e do que minto sentir.
Por outro lado, a salvação também é a condenação, e essa consciência se aprisiona em mim. Luto em meu consciente e inconsciente, além dessas duas estruturas que brincam com desejos e impulsos, o desejo de ser feliz sem máscaras versus o prazer sádico de viver sem se preocupar com o desejo alheio. Mas essa última prática que pode, a princípio, garantir felicidade, é uma mentira que dura enquanto for doente e vetor desse mal de bitolar sentimentos. Todavia é uma irônica e frustrante verdade que fica latente a acusar que a dor tarda mais não falha.
Essa verdade foi visto nos findos olhares do meu genitor, aos seus altos 93 anos. Um senhor com uma força vital, apesar do adiantar da idade, e maturidade cujas virtudes não o proibiu de ter perdido uma bela pessoa que o amou. Não porque ela morreu antes de nós dois, abandonando a mim, que pensei que teria mais motivo diante daquela perda. Após diálogos com ele, percebi que ele poderia ter sido agraciado pelo afago do amor dela. Se ele o tivesse sido acolhido por esse sentimento provavelmente teria ele descansado com menor penar e desilusão.

Comentários

  1. como vc disse, "romanticamente", esse é o modo mas doentio de procurar o amor. O espírito romântico em sua origem designa uma visão de mundo centrada no indivíduo, voltados cada vez mais para si mesmo. E o amor idealizado, amores trágicos.
    Acredito que nós, seres humanos e pensantes devemos ser menos utópicos quanto a este sentimento tão essencial.
    Amar, amar e amar. Simplesmente Amar!!!!!!!!!!!

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  2. Amar então precisa ser melhor traduzida, ou (re)significa. Ela é uma ação de difícil atuação, principalmente em sociedade tão alienada. Uns se isolam em narcisismo e outros em amores idealizados, geralmente, estes últimos, são escravos dos primeiros. Então, precisa-se de um narcismo consciente e crítico. Pois, somos, o que somos a partir da contribuição do outro, melhor, dos outros.

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