CONFIANÇA E MEDO NA CIDADE



            Zygmunt Bauman, em Confiança e Medo, parte de uma concepção de que para se ampliar o foço entre o rico e o pobre é utilizada, entre outros mecanismos, a precária proteção social dentro os ambíguos fenômenos do bem estar e insegurança social o que gera o medo do sofrimento ( concreto, de origem perceptível) e o desse o medo abstrato ( quase sempre de origem no concreto, mas possivelmente tão traumático que é jogado ao inconsciente).Mas ambos, são utilizados para a continuidade das desigualdades e segregações.
Diante do sentimento de medo que construído sócio historicamente e replicado a cada contexto sentido subjetivamente, o qual pode ser pressuposto de certo ‘apartheid’ social. E isso fica mais explícito quando se cita a ‘sociodemocracia’ defendida pelas intervenções políticas de controle e repressão, cada vez mais sofisticadas, para dar continuidade à manutenção de um supérfluo bem estar desta minoria numérica da sociedade. Esse sentimento de impotência ante o medo que causa segregação, quando se generaliza a sociedade pode tomar faces de pavor ou terror, fenômenos coletivos do medo, mesmo que ele nasce inicialmente para manutenção da espécie, ou seja,  ele é basicamente protetivo.
Por outro lado, a maioria das pessoas vive e convive com o medo não abstrato, sem a proteção expressa das ‘arquiteturas do medo’ (Muros e grades, carros blindados e seguranças etc.) onde se encastelam membros da sociodemocracia. Outra face da moeda, são os que em cada esquina podem e são violentadas, em possíveis vitimização de diversos modos do comportamento agressivo e violento daqueles possivelmente desesperançados de que algo pode mudar nesta segregação. Frustrados diante da conjuntura,  pois lhes parecem que a realidade das políticas se estruturam para garantir a manutenção de exclusão.
O fato de que enquanto a maioria vive em permanente contato com o medo real membros da sociodemocracia se protegem do seu ou do medo que talvez lhes é  social-cultural e filogenética, em processo dialeticamente, construído. Enfim todos vivem nessa dialética cada um em seu meio interacional, antropologicamente ou outro modo constituído como real. Freud, creio, diria que cada um tem sua neurose para interagir com o mundo e, sobretudo, para não adoecer a partir deste interação,  ou do fato psicossocial afetado e por isso criando outro mundo que o afaste do que lhe constituiu.
Então, o medo pode ser instrumento de controle e repressão. Para se evoluir em alteridade social, a fim de melhor harmonia em sociedade é necessário pensar em novo capital social para mediar às relações sociais. Isto, pois  sendo o medo instrumento de poder a alteridade social pouco terá chance de efetivação pois existem necessidades de manutenção de hierarquia, para manter as relações de submissão.
Por outro lado existe o medo e a medo de sofrer, que também a são utilizados para manter as pessoas, as que podem promover riscos, afastadas. Assim existem o risco real e o imaginário advindo de como o fenômeno atinge o biopsicossocial de cada indivíduo. Para Castel, citado por Bauman, o estado de origem do medo social advém do individualismo moderno e da redução do controle estatal, a qual supervaloriza o sujeito, em um narcisismo que pode chegar a ser exacerbado e com isso o medo do diferente e do não enquadrado, aquele que não aceita passivo a submissão, o que não pode ser cooptado.
Essa exacerbação pode potencializar o medo ou advém da dissolução da solidariedade que está no cerne da origem do medo. Esta sociedade é permeada pela ideia de empreendedorismo, um eufemismo da competitividade, está sempre em busca de lucros a todo preço e a qualquer maneira. A lógica dessa sociedade impõe ao homem a sensação ou a percepção de inadequado, ou seja, de perdido em si mesmo, pois tudo partindo do ter em detrimento do ser, onde o status quo é o que interessa, o indivíduo vira mero coadjuvante do poder aquisitivo ou da classe social que lhe envolve e condensa, lhe é determinista em seu comportamento e afetividade.
Essa dinâmica exclui ainda mais o indivíduo da vida de uma interação harmônica, ou seja, quando a sociedade exclui “a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues aos seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados”.
Nascem assim o sentimento e percepções da existência de ‘classes perigosas’, determinadas quase que exclusivamente, pelas suas perdas sociais, suas carências de acesso às riquezas que elas mesmas produzem para os da sociedemocracia, mas não podem dela desfrutar. A frustração e reações dessas classes, ou supostos movimentos delas, no mínimo é base que sustenta a necessidade de segurança ante o medo provocado por classes excluídas aos membros desta suposta alta classe sociedemocrata. Aqui se funde a exclusão irrevogável e a decomposição do Estado social. Este Estado necessariamente serve apenas para se proteger desta e reprimir estas classes perigosas, por serem inaptas e não submissas às regras de serventia as classes supostamente ameaçada. Até mesmo os que se submetem aos jogos de submissão onde são meros objetos de dar-lhes lucro, em formas de nova escravidão, também são objetos, não é em vão que a pessoa afrodescendente é ainda apontada biopsicosociamente como indivíduo ‘suspeita’ em qualquer parada policial.
Dentro desta concepção, para Castel, as políticas tendem a “ser mais locais num mundo estruturado por processos cada vez mais globais”, onde “forças globais e os sentidos tenazmente locais se encontram, confrontam e lutam, tentando chegar a uma solução satisfatória”. Assim se afiança a sociedade “feitas de muros”, a ‘arquitetura do Medo’. Nessa todos convivem a distância socialmente demarcada, estratificada, perceptíveis apenas diretamente nas interações, isso dentro uma sensação de “mixefobia ( medo de misturar-se)”,  “ para se defender dos outros (...) a quem se atribui o status de adversário”. O afrodescente, o descente de nativo, quase todos no hoje, pobres e miseráveis, são membros dessa classe perigosa, necessitando dessa estruturas do medo para mantê-la mais afastada, pois imagine se todos quisessem a revolução de possuir os bens que eles mesmos produzem, mas lhes restam apenas sangue suor e lágrimas. Enquanto para os sociodemocratas os louros e as benesses.
Todavia a cidade além da mixefobia também a mixofilia, em movimento dinâmico de afastamento e de aproximação, talvez um sintoma de possibilidade de efetivação da alteridade democrática, ou estratégias para alienar os subordinados, garantindo-lhes as migalhas, sobejo, como as tecnologias que não se adaptaram ao primeiro mundo e são jogados ao terceiro.
Mas voltando ao afastamento e a aproximação, em “Buscar abrigo na caixa de Pandora” Bauman provoca outras percepções quanto a relações em sociedade contemporânea. Ele diz que com a globalização as cidades tornam-se “campos de refugiados” para aqueles “expulsos da agricultura”, ou seja,  necessitam de mão de obra barata e se essa se nega morrer e “as vidas nas cidades está se convertendo em um estado de natureza caracterizado pela regra do terror e pelo medo onipresente que a acompanha”.
Nesse contexto o autor se interroga se é “possível derrotar o medo e ao mesmo tempo suprimir o tédio? Enfatiza que as “situações de risco tendem a atrair ao mesmo tempo repelir” ambiguidades nestas relações que para o autor os locais públicos estão “expostos a ataques maníacos  - depressivos ou esquizofrênicos, mas também os únicos lugares em que a atração tem alguma possibilidade de superar ou neutralizar a rejeição. Talvez ele quer suscitar que ou a sociodemocracia perceba que cedo ou tarde os demais excluídos que não promovem criminalidade, podem se mobilizar à revolução e destronar a alienação da mediação do relacionamento em sociedade.
O autor conclui, portanto, que o “progresso para a civilização não é uma conquista, mas uma permanente luta cotidiana”, o que pode sugerir que necessariamente podemos ter espaço para a alteridade em sociedade, ou seja, a empatia podendo ser a mediação dos relacionamentos sociais, onde o diálogo pode promover vínculos e não exclusões. Implicitamente, creio que ele leva a crer que essa luta diária seja a reformulação dessa relação de sangue, suor e lacrimas para a maioria e louros e benesses para a minoria.
Fontes:
BAUMAN, Zygmunt: Confiança e Medo na cidade. Trad. Eliana Aguiar. Ed. Zahar, Rio de Janeiro,2009.

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