Memória da Casa dos Mortos de Dostoiévski (II): Sociedade Civilizada, lapidada em masmorras.

Antes de iniciar informo que toda as aspas aqui presentes, são necessariamente literal ou paráfrase da *"Memória da Casa dos Mortos" de Dostoiévski de 1862.



Parece que Dostoiévski nos ensinou que a Loucura não seja " nenhum defeito grave" (p.9), talvez por isso eu não entenda quais as razoabilidades de um cidadão deixar de sê-lo em detrimento de poder contribuir para uma sociedade melhor ao se tornar político e renegar tal dever para especular ter direito em tripudiar dos seus concidadãos usurpando a cidadania destes últimos. Assim, em insisto audaciosamente a contradizer a autor: Loucura, nesse caso é um defeito gravíssimo. Mas devo lembrar que a fala do nosso autor era referente aos que psiquicamente sofrem quando em ambiente fechado e direitos ceceados.

Todavia, Dostoiévski também diz que " O homem é um ser que a tudo se habitua, e essa é (...) melhor de suas qualidades"(p.15), talvez ele queira nos informar que todos podemos se adaptar em nome da sobrevivência, inclusive ao regime fechado e trabalho forçado. Talvez as falas desse soviético trouxe contribuições para o que chamamos Direitos Humanos, mas também, ele pareceu-me ensinar que a loucura seja uma prisão tão pessoal mas nunca tão inútil como a prisão coletiva que é o sistema penitenciário. E por sua vez, a loucura uma boa forma de não morrer vivo, ou seja, de ser um zumbi seguindo mecanismos supostamente modernos que na realidade levam muitos a viverem os desejos de poucos.

Ele corrobora com que afirmo em "Nunca tive ocasião de observar nesses homens o mais pequeno indício de arrependimento (...) É certo que os presídios e o sistema de trabalho forçados não melhoram os delinquentes" (...) Os trabalhos forçados não fazem mais que fomentar ódio, a sede de prazeres proibidos e uma terrível leviandade de espírito (...) Esse sistema rouba ao homem a sua energia física, excita-lhe a alma, debilita-o, intimida-a depois apresenta-nos uma múmia moralmente seca, um meio louco, como obra da correção e do arrependimento (...) Estamos mortos por dentro e é por isso que gritamos de noite (...) Encarávamos o trabalho com ódio" (p. 21-23). enfim, Parecendo concordar comigo, ou eu nele encontro justificativa para ratificar que o sistema nada mais é um espectro da loucura, ou seja, um local para agrupar quem não se bitola, portanto, não tem nada de reeducação gratuita, principalmente porque se o fosse deveríamos considerar que existisse um sistema de educação, mas lembro-me que temos nessa sociedade do consumo, existe nada mais que ensino em favor de formar mão de obra boa, barata e bitolada. Então, no sistema carcerário atual, temos no máximo, mais uma masmorra onde se escatela homens emparedando-os e deles trituram a alma e sintetizam o cidadão preparado para a selva de pedras que sobrevivem os que violentam em nome da alienação e as vítimas destes, onde quem não aceita essa regra têm de ser bitolado é excluído vivendo a margem, consumista que não alimenta o sistema diretamente, porém é o maior, exemplo de adaptação.

Todavia voltemos as masmorras e os maiores métodos de alienação: "para abater um homem, para castigá-lo com o mais terrível castigo, um castigo que metesse medo e fizesse tremer antecipadamente o criminoso mais valente, não precisava senão dar ao seu trabalho o caráter de uma inutilidade e total e absoluta carência de sentido" ( p.29). Tendo, nosso parafraseado razão, creio que essa inutilidade também é praticada entre os que não estão em meio fechado. Pois como sinalizava os marxistas, que dizem que o trabalho, por exemplo, no qual o operário é tirado do processo produtivo integral inevitavelmente se contribui para a auto percepção de inutilidade.

Lamentavelmente encontro nesta obra outros argumentos para assemelhar esse sistema de produção ao presidiário, vejamos: "Além da privação de liberdade, existe na vida da prisão um paradoxo, talvez mais forte do que em todas as outras e que vem a ser a forçada convivência geral."(p.30) "Eu não podia imaginar, a princípio, que fosse possível as pessoas insultarem-se só por prazer, encontrar nisso uma distração, um exercício agradável, um desporto. E também ali havia vaidade. A dialética do insulto era muito apreciada"(p.35). Aqui, ele se refere ao aglomerado de pessoas a contra gosta, isso necessariamente lembra-me das viagens da maioria das pessoas indo ou voltando de seus trabalhos ou empregos em coletivos mal climatizados, de conforto inexistente e profissionais despreparados para respeitar quem na realidade lhes pagam os salários. São nesses ambientes que se desenvolvem os insultos voluntários e absurdamente acontecem tão abertamente que assusta a que ponto nos lapidam para desumanização expressa em grosserias e desrespeitos.

Parece-nos, onde "As privações morais são mais difíceis de sobrelevar do que todos os tormentos físicos (...) O homem culto, condenado pela lei a sofrer o mesmo castigo que a gente ignota, perde incomparavelmente mais do que esta. Vê-se obrigado a renunciar a todas as suas exigências, a todos os seus costumes." (p. 78) " As cadeias...São apenas uma desonra, uma vergonha e uma tortura, tanto física como moral" (p.197) "" Dir-se-iam que os que estão muito acostumados ao azorrague têm também a alma e as costas já endurecidas e que acabam por olhar o castigo com ceticismo, quase como uma doença leve, e não têm medo dele" (p.204), pois nos que ficamos mais insensíveis para sobreviver ficamos menos empáticos mas também apreendemos a tirar proveito da miséria em que vivemos e negamos cegamente a possibilidade de lutar contra as formas de tantas violências que cada vez mais se estatiza, não é em vão que sabemos que o Estado é o maior violador dos Direitos Básicos, que aqui chego a teimar em chamar de Humanos.

Mas as semelhanças que o autor traz com os meios que tratam a nos que sustentamos essa sociedade é gritantes. Vejamos se não somos torturados, humilhados mais moral que fisicamente nos nossos ambientes de trabalho? E que a essa forma perversa de sobrevivência não é uma maneira de aceitarmos calados ao azorrague sobre nossas costas. Na realidade não calamos: Vivemos dependentes de vícios mil, submetemos os que de nos dependem em vítimas de nossa perversidade apreendida, expressamos que somos incapazes de amar nossos cônjuges e vivemos em meio a traições, quando não agredimos física e psiquicamente em meios a tantas formas doentias de viver que não distingue de tortura gratuita.

Assim atei-me a muito assemelhar o sistema carcerário apresentado em "Memória da Casa dos Mortos" por Dostoiévski em 1862 inevitavelmente as formas de relação nessa sociedade atual em especial as relações de meio de produção que sempre percebo, no mínimo, mecanismos de ser o trabalho análogo a escravidão. E como em futuras postagem sinalizarei a descrença do autor com aquele sistema em "Memória da Casa dos Mortos" eu sou incrédulo da forma de sociedade que vivemos. E aqui apresentei algumas analogias que me corroem porque me estimulam a perceber que não evoluímos da barbárie em que o autor sinaliza ter vivido e que hoje se reproduz na atual sociedade.

*Memória da Casa dos Mortos de Dostoiévski (traduzido por Natália Nunes e Oscar mendes, Volume 695 na coleção L&PM POKET, 2012).

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