A sociedade possível: A do Poder-Dever, onde coexistem pessoas da em/poder/ação.

Quando comecei essas referências ao livro do Dostoievski percebi o quanto eu sinto que a sociedade é arquitetada semelhante ao presídio, ou melhor, esse é o seu maior remédio. O sistema penitenciário nada mais é que o maior instrumento de bitolar o humano aos ditames mais pervertidos que podem ser pensados. Quando nosso autor cita que " O presidiário, de presidiário não passa; uma vez que se encontra nessa situação, já uma pessoa pode descer a tudo sem se envergonhar"(p.89) ele me lembra que todos nós que temos que ser sucateados pelos governos que mantém essa ordem vigente nos querem fazer lembrar que ainda temos onde sofrer mais. Onde a tortura é ensaio para tirar o último gole esperançoso do homem, a utopia do sonho e transformá-lo em pesadelo, ou ainda, que eu seja mais enfático, que a vida é um real tormento.
Parece que os inspirados pelo Deus cristão tinham razão: elas sofrera dores a ser marcada com o dom da vida e nós teremos que comer do suor e lágrimas vertidos a sangue frio, traduzidos em depressões e desesperos. Assim, nos ensina também o que o saudoso russo dizia, referindo ao intelecto pisoteado dos presos: "Não raciocinar nunca, e em caso algum, já que raciocinar não era da sua incumbência, como diziam para si os presos" (p.148). Ou pior ainda aqueles que teimam pensar que nas suas veias correm sangue e expresse sua indignação ou qualquer outro sentimento "Exprimir os seus sentimentos sem rodeios, ainda os mais ingênuos ( o que no presídio é o pior dos defeitos)" (p.167) . Não vos parecem tão semelhantes ao processos de (des)personificação efetivados exitosamente entre os submundos dos países ocidentais?
Creiam-me que todos os grandes empresários e seus capitalistas ( os escravos intelectuais dos primeiros e antagonicamente destes também manipuladores) querem-nos a todos, principalmente, os quais de Estados em desenvolvimento, corrijo esse eufemismo, para neocolônias, ou ainda para novas fontes de manutenção de nossa escravidão (...). Bem voltemos eles nos querem como o processo dialético aqui apresentado por Dostoievski , ao se referir ser escravo dos que lhes ajudaram na prisão, os tais das classes menos favorecidas, quem de tanto o cortejar e ajudar a sobreviver na vida de restrições de liberdade, eles foram os reais escravocratas. Sim, caro leitor, isso se dá no processo de que os que ajudam e assim uma vez dono de sua liberdade em sobreviver por si só, furta ao autor a conceber suas formas de adaptação e sobrevivência, ou seja, ele fica cada vez mais duplamente preso. Se leres essa obra perceberas isso, aqui recorto apenas o que me serve " Nunca pude repelir os vários servidores e cortejadores, que se agarravam e acabavam por apoderar-se completamente de mim de maneira que, na realidade, eram completamente de mim que, na realidade, eram eles os meus verdadeiros senhores e eu o seu criado" (p.189)
Mas o mais assustador é o condicionamento que são vitimadas todas as almas, quando são levados a crerem que o dinheiro os trará alívio imediato ante os percalços dessa vida atribulada que é a dos escravos em sociedade capitalistas, exemplifico, "Se os presos fossem privados da possibilidade de arranjar dinheiro, tornar-se-iam loucos, rebentariam como moscas ( se bem lhes fornecessem tudo) ou entregar-se-iam, finalmente, à prática de crimes inauditos: Uns, por tristezas, outros, para que deixassem o mais depressa possível de torturá-los e acabassem com eles de uma vez"(p.93). E observo que o pseudo poder em que desenha aqui é coerente citar que o autor deixa claro que as meras regalias garantidas pelo dinheiro são tão insignificantes que ele chega a ignorar tais ganhos. Todavia, não esqueçamos que ele mesmo conhecendo a pobreza e essa degradação (sobrevivente de um longo período de privação de liberdade) não tem a mesma necessidade de ostentar o simbolismo do poder, especialmente por ser um preso político que todos como ele era perseguido ainda mais por sua ideologia e origem societária, enfim, para o autor os que necessitavam dessa força dos poucos dinheiros era como se eles desejassem ser semelhantes algozes como os seus. então, adoecidos, buscavam no poder, acessados pelo dinheiro ou outro instrumento, jogar de alguma forma, algo análoga a uma brincadeira sadomasoquista: "O sangue e o poder embriagam , engendram o embrutecimento, a insensibilidade, tanto a inteligência como o sentimento acabam por achar isso natural e, por fim, aprazíveis as manifestações mais anormais" (p.218)
Eles estavam tão prontos para serem mercenários que sacrificariam seus próprios entes queridos, creio. Não por mero prazer, mas pela ausência dele, ou de um outro puro deleite?
Felizmente não, o autor acusa:" Vi bem o efeito que produziam nesses desgraçados algumas palavras afetuosas, e os presos quase ressuscitavam moralmente. Alvoroçavam-se como crianças e, como crianças, começavam a amar" (p.129). No entanto, crianças lembra-me o mesmo alvoroço tanto para o belo, como para o trágico, ambos sem mera sentimentalidade, por simples razão: ausência da constituição de personalidade ou caráter. Então, eles precisam nascer, como toda a nossa sociedade, aberta para estopim de guerras histéricas e sem causa.
Por isso, comungo com o autor que acusa, quando acusa o fim de nossa sociedade, ou melhor, a precoce sorte nossa que me parece fadada em si mesmo, mesmo sem saber: "O homem e o cidadão morrem para sempre no tirano; é-lhe quase impossível regressar a dignidade humana, ao arrependimento, a uma nova vida" (p.218). Portanto, precisamos da única e eterna ordem, o homem complexo biopsicossocial e espiritual mediado com o altruísmo em busca de pertencimento. Ensaiando e errando a parti da empática lição da alteridade. Enfim, amando e respeitando-se a partir das suas diferenças.
Ou seja, precisamos reconstruir o que jaz a muito tempo " A sociedade que contempla com indiferença esse espetáculo (dos presídios) está minada pela base. Em resumo: o direito de impor castigos corporais, outorga a um sobre o outro, é uma das pragas da sociedade, é um dos meios mais poderosos para aniquilar nela todo o germe de civismo e a base completa paras a dissolução inevitável e infalível" (p.218)
Portanto, creio na necessidade de pormos fim as armas e suas supostas razões de paz, do poder uni, bi, tripolar o homem precisa de ser e está no poder, todos no poder.
Mas diferentemente do poder fazer, cito aqui o poder de ser a própria potestade, ou seja, um exercício de poder-dever, onde negamos "A natureza do verdugo encontra-se em germe em quase todos homem contemporâneo. Mas as qualidades brutais do homem não se desenvolvem por igual. Quando, com o desenvolvimento, se abafam num homem todas outras qualidades, esse homem torna-se, sem dúvida alguma, terrível e selvagem" (p. 218-9)
Pois a necessidade do verdugo ( instrumento de tortura e castigos) cegam até " Os dias bonitos perturbavam até os homens que arrastavam cadeias e infundem-lhes desejos, anelos, nostalgias. aprece que anseia pela liberdade com mais força sob feixes ardentes da luz solar que nos infelizes dias de inverno ou de outono, e isso observa-se em todos os presos. (244) "
Precisamos enfim perceber que o precisamos do poder-dever para negar a necessidade de punir, pois cada um se auto fiscalizando não matamos o sonho. Este que no presídio é adoecedor "O sonho comunicava à maioria dos do presídio um aspecto áspero e severo, um certo aspecto doentio"(p.276)
*Memória da Casa dos Mortos de Dostoievski (traduzido por Natália Nunes e Oscar mendes, Volume 695 na coleção L&PM POKET, 2012).

 
 

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