REDUÇÃO DE DANOS


Eles têm o direito ao prazer de viver, ou sobreviver como lhes é  possível. Ele não defere de mim que tenho meus vícios, ao menos estes foram aos poucos lapidados a socialização, isto é se todos são supostamente sadios.
Eles desistem do princípio da realidade, possivelmente pela simples razão de querer não morrer, ou ao menos evitar a dor e o vazio de onde se encontra, ou foi lá colocado.
Dirás que trabalho dignifica o homem. Mas tem trabalho para todos, ou vivemos em uma seleção artificial em nossa sociedade? 
Talvez percebas que o trabalho no fundo pode ser uma face maquilada da escravidão. Quantas horas trabalhas para sua mantença, ou quanto pagas de impostos para sociedade continuar existindo?
Falar que a educação pode oportunizar uma vida melhor. Mas nossa rede de ensino é de boa qualidade e atrativa, ou dinâmica e interativa? 
E pior, quem tem os lutos da maioria dos adolescentes, sabem que a resposta para demandas tão gritantes e estimuladas desordenadas e até distorcidas diuturnamente pela mídia, podem levá-los, como presas, imaturas ao desamparo das drogas ou correlatos.
Pensemos aos que tiveram suas infâncias roubadas. Não necessariamente pela violência estampada e fisicamente expressa. Para potencialmente desesperar alguém em formação de personalidade, basta a desestruturação estrutural das mazelas da carência, não necessariamente econômica, e sim estritamente afetiva, emocional, psicológica. 
Penso que, o trabalho novamente nos roubando a vida, nos escravizando. Pois para a mantença de nossos vícios socialmente aceitos sacrificamos nossos filhos em abandono exclusivamente na base que o constitui como pessoa: a formação da personalidade. É ai que se aloja as drogas e os vícios diversos.
Pergunto que necessidades são tão emergentes que precisamos trabalhar tanto, ambos os genitores, quando eles os têm. Penso que até os que estão próximos aos filhos, muitos estão ausentes no tocante mais essencial, na sua formação psíquica.
Será que, inclusive, os genitores estão maturados em suas personalidades?
Parece que todos os que convivo e fazem uso de psicoativos ou formas autoagressivas e exteroagressivas são necessariamente carentes e solitários.E assim sendo necessitam regredir a algo semelhante ao vivido uterinamente: segurança total, ou melhor, inexistência de desejos. Esses são supridos antes de existirem. Eles nascem com suas dores, por suas faltas ao primeiro respirar.
Mas essa é a vida. Um desejo de desejar mais, um ciclo vital e fatal. A vida inicia-se em respirar e finda do mesmo jeito. Porém nos preocupada o entre essas duas fatalidades.
Somos interação dialeticamente resignificantes. Quando negamos isso passamos a relaciona-se com objetos. Usamos as pessoas com meio de nosso prazer. Um sinal disso quando levado ao extremo é a possessão. Queremos ter tudo que nossa vista alcançar, comandado pelo nosso desejo, nosso id, regido pelo prazer imediatista, hedônico.
Esse é o mesmo princípio da busca do usuário de qualquer droga. A diferença que deixamos de ser e nos “objetamos” ou “coisificamo-nos”.
Na vida uterina todo desejo é realizado antes dele existir. Não temos responsabilidade em dar retorno de nossas necessidades. Somos até nomeados, sexualizados (...) mas estamos ainda no desejo do outro. Portanto não somos responsável por nada.  A vida só se torna ruim ao respirarmos pela primeira vez, é  o princípio do fim, e pensamos nesse fim como se esse possa ser igual a vida uterina. Prazer sem responsabilidade. 
Isso também é buscado pelo usuário, que quando evolui ( ou regride) ao consumo compulsivo quer. Prazer sem medidas. Eles não querem morrer, querem viver intensamente. Para melhor exemplificar: pense no seu vício.
Existe um discurso que tenta diferenciar o uso de álcool e o crack. Não existe diferenciador, a busca é o mesmo: quer-se negar, fuga ante as respostas dos papéis sociais que um dia nos apresentaram e assumimos, talvez com o mesmo princípio da busca de ter o prazer como usar maconha, cocaína (...) 
 Exemplifico o discurso de muitos em (...), todos querem independência ( não ter a quem responder, como na vida uterina): ter filhos para “alegrar a casa”, um trabalho para viver melhor, uma casa para casar, queremos coisas, e não queremos dependência. Esquecendo que a maior posse e se dar afetivamente, isso é dependência sobremaneira.
Então, podemos negar aos usuários de psicoativos ilícitos o direito de usar seu vício como meio, mesmo que não estruturante, para viver supostamente intensamente?
Esse é o princípio da redução de danos. Digo que sobretudo que quem mata, na menor proporção é a droga, isso no caso das ilícitas, quem mata é a violência para que a droga chegue ao usuário, o interesse financeiro que circunda nesse empreendimento muito bem organizado. Sua gestão inclui, sobretudo, a conivência de diversos atores sociais, que ganham para barrar a entrada de ilícitos, mas não fazem, ou fazem parcialmente.
Mas é a violência que também mata a partir do uso das lícitas. No trânsito é de longe um dos grandes exemplos. A violência doméstica é potencializada pelo uso. O uso lícito estimula o uso de ilícitos, isso por exemplos dos adultos aos filhos e dependentes.
Voltemos à redução de danos. Ela potencializa o autocuidado, aproxima o Estado de grupos esquecidos. Possibilita o reencontro destes inclusive à família. Pode dar meios de vida menos degredante, humaniza o enquadre geralmente “coisfificado”.
Nada o diferencia de um usuário de etílico ou tabagista, geralmente os de ilícitos viveram com um destes. E certamente foram “coisificados” em seus lares. Esses ambientes foram desestruturantes, ou não tinha em sua estrutura um espaço para ele significar suas dores e essas apresentaram o vazio ensurdecedor, o desesperando.
Eles não são culpados por sofrer primeiro.



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