VIDA NA MORTE: O último fragelo da liberdade

Em face da morte, todos os seres são democraticamente iguais, ou será que alguém fora capaz de ser agraciado pela felicidade em face da inevitável?
A última referência biológica de minha constituição neste plano secular padeceu, em seus últimos dias, significantemente, para se encontrar com o que temos de imponderável, Deus.
Penso o que impede a um homem quase centenário, que provavelmente amou na vida, e a ela também, mas não tinha certeza de sua missão ou importância em sua existência, e se Ele o pegaria pela mão.
Bem, antes desse fato que ampliaria minha solidão e certeza de só, exclusivamente solitário, pensava que a maior certeza da vida era a morte e que diante dessa eu a abraçaria felizmente, visto que viver tem a cada dia se tornado uma ferida que me mata pacientemente.
Claro, socioeconomicamente, não sou tão miserável de não ter direito a ter um retrato para lembrar quem eu fui em infância. E que não sou tão afetado psiquicamente, como desamparado, primeiro por esse que neste ano faleceu, como também por aquela a quem condeno por vários desamparos, mesmo a coitada ter falecido há pelos menos 25 anos. E ainda, não sou tão imaturo em crer que é o amor que une as pessoas, como o adolescente crente que encontraria a pessoa ideal para ter como companheira.
Mas sou tão consciente de tudo o que expresso e de outros dilemas a mais. Porém pressinto que muito tenho a conhecer e a viver. E que essa equação aditiva dessas duas dimensões apenas alimenta e retroalimenta o meu sofrimento. O conhecimento me isola dos ignorantes e a vida morre enquanto se pesquisa, perdendo não o brilho solar, mais o brilho da alegria ao perceber que muitos seres, já mortos, seguem movidos a seus vícios, ou melhor, os vícios saciam sua sede de sangue no caminho destes moribundos.
Isso me lembra de que a segunda parte desse diálogo trouxe a perda material da figura paterna que nunca tive. A última referência que tinha dele é uma expressão do paterpoder onipresente em todas as relações familiares.
No entanto, viver a cerca de 30 anos distanciados em duas semanas foi um golpe forte. Poderá dizer que a morte fora a maior significância disso. Não. Talvez com ela aprenda a respeitá-la.
Nos últimos dias de meu genitor, ele me mostrou o poder do perdão. Foi essa a primeira ferida tratada. Não pense que foi apenas pela ausência na minha formação, foi primeiro pedido de ter me ensinado o paterpoder em situação de vítima.
Depois em abraços empaticamente verdadeiros, mostrou-me que a vida é um vale de sofrimento, desde que você não seja consciente a tudo o que você pratica. Essa foi a interpretação plausível que aprendi da labuta dele em buscar Deus tão freneticamente.
Ensinou-me, portanto, que em meios a tantos prazeres frívolos e vazios, deleites de vícios, manjares apenas da carne, são a minha ex-condenação. Meu pater abdicou diversos desses deleites, tornou-se crítico e consciente de que viver é amar e essa equação traz um conhecimento que não alimenta nem o sofrimento nem a solidão. Ele me juntou ainda mais a morte.
Era como um prenúncio de vida e de elevação do espírito crítico. A partir dela inicio uma nova vida em plena idade adulta. Foi o milagre da vida em meio à morte. É como se ele morresse para me lembrar de que estou vivo e que isso é bom. E ainda mais especial, o sofrimento em que me confinava não sou escravo, sou corresponsável quando fico apenas omisso e não luto para sair da inércia que a culpa me empaca.
Assim, não morro a cada momento respirado. Vivo a cada pulsar, que ele bate porque eu preciso viver sadiamente, mas liberto-me da morte autoaplicável. Ou seja, da acriticidade, de vícios, do medo, da timidez, da objetação ou coisificação do outro e da descrença no amor. São exemplos de mortes entre outras.
Agora vivo, sabendo ainda que muitos sofrimentos ainda precisem ser respondidos e quem sabe cessados. Mas que o primeiro passo tenho dado e, assim sigo sem medo da morte, aprece-me que a abraçarei com uma lápide implícita: “apenas não morri, porque amei, na memória dessa única verdade nós estaremos e, sei que isso, reunirá todos os quais apregoarem essa paz”.


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