FOME


Eis uma necessidade fisiológica que mais me ensinou a ser um pouco mais humilde.  Só em pensar que já necessitei selecionar lixo reciclado para garantir a minha subsistência sinto-me lisonjeado ter sido fortalecido com isso ante a falta do básico para a sobrevivência.
Humildade não necessariamente a miserabilidade, mas foi essa última que me ensinou a  primeira. Ao ter que comer, por exemplo, cozido caroços de jaca, ou o fruto de cacto me faz lembrar sempre de onde vim e para onde posso ir, mas, sobretudo, como posso prosseguir. Ou seja, nesse caminho se faz indispensável à prática de respeito mútuo, consideração, ou melhor, ainda, amar o próximo dentro do possível.
Seja evidenciada a existência da diversidade de faces da fome e suas diversas miserabilidades. Pois não só de pão se sacia as necessidades. Mas dela ao menos se origina ou se referencia as expressões de falta.
Lembro que não só padecia de comida, mas sim da qualidade do alimento, pois tinha acesso apenas a pouca diversidade e fontes de proteínas. Já a muito foi apresentado às perdas e debilidade da qualidade no exercício intelectual, como também baixa resistência física e, sobretudo, redução na baixa autoestima, ou seja, eu, pessoalmente, não sei se é generalizável, mas fiquei emotivamente afetadíssimo devido a significativas faltas não só de base proteica, mas sobretudo, afetiva advindas de perdas de objetos que alienam a seguridade de uma infância bem vivida,  presentes, brinquedos, viagens, passeios (...) e mais ainda, a falta de referencias, com a perda de meus genitores, mesmo que pouco mais de dois meses perdi meu genitor, porém na minha infância ele era mais ausentes, devido a dinâmica comportamental de minha genitora.
Bem, o que não me faltou foi sem dúvida a fome. Padeci algumas perdas e sem dúvida pensei em praguejar por que tinha tanta miséria. Mas, a maior conquista disso, não duvido, foi saber que tenho referencia do que não posso desejar ao outro as tantas perdas e sofrimentos, como vivi. Bem muito menos ao meu inimigo, pois esse sim me lembra, semelhante à pobreza estrema, que sou apenas um ser que necessita alimento, seja nutricional, afetiva ou espiritual.
O inimigo é a face do meu eu que não creio ser, ou não aceitou ou ainda que repudio. O inimigo é a fome que nunca deve ser saciada. Ele é mais necessário que um amigo imaturo que não lhe faz críticas.
A fome como uma inimiga me corroeu e sobremodo ainda o faz, sem ser uma navalha fatal. Quando a sinto vem como uma reafirmação de viver conservando sempre a humildade. Como já disse não igual à miserabilidade e sim como lembrança que cedo ou tarde como todos ei de padecer.
 A fome clama pela finitude e melhor ainda pela falta que todos sentem e por isso no presente nos une e pela sua fonte de eternidade ao atrelasse a morte nos une com o infinito.
A fome é um elo de paz, ou de guerra. Uns a usa para lucrar e assim conquista sua paz. E outros a tem como meio de morrer tristemente. Neste caso passivo e sem formas de remanejar meios de saída. O primeiro caso, a paz é uma doce ilusão. Pois na morte ou na vida sempre a pessoa que tem essa pacificidade ante a desgraça alheia precisa de diversas fontes de mentiras para continuar construindo uma liberdade da escravidão e desgraça alheia.
Penso e lamento que seja necessário ter tanto acesso a pobreza e fome em suas diversas faces para entender que não há alegria próxima da verdade se muitos sentem alívio fisiológico com cactos e restos animais. E alimenta necessidade afetiva com a solidão e saudade de algo que ainda não viveu. Ou encontra espiritualidade no ato de praguejar contra o que for divino por não entender tanta dor.
Será que para termos uma sociedade verdadeiramente civilizada precisa-se vivenciar tantas atribulações? Será que para defender o resgate dos direitos de grupos historicamente vulneráveis é preciso ser um deles?





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